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A interdição do uso de telemóveis e redes sociais por adolescentes: proibir é suficiente?


proibição de telemóveis nas escolas

Nos últimos anos, diversos países têm implementado medidas restritivas quanto ao uso de dispositivos digitais e redes sociais por crianças e adolescentes. Entre estas medidas, incluem-se a proibição do uso de telemóveis em contexto escolar e, mais recentemente, propostas legislativas que procuram banir o acesso de menores de 16 anos a plataformas sociais.


É o caso da Austrália, onde o parlamento aprovou recentemente uma proposta-lei para impedir que jovens com menos de 16 anos utilizem redes sociais — com multas aplicáveis às empresas tecnológicas que não consigam assegurar esse controlo. Apesar de parecer uma medida firme, a sua exequibilidade levanta sérias dúvidas técnicas, éticas e científicas.


É necessário uma estratégia credível de implementação, ou seja, os sistemas actualmente disponíveis para verificar a idade dos utilizadores são falíveis, invasivos ou ambos.


A exigência de carregamento de documentos de identificação digital (como passaportes, cartões de cidadão, cartas de condução) levanta sérias preocupações ao nível da privacidade, e a sua eficácia é, na melhor das hipóteses, duvidosa.


Tal como aconteceu com medidas semelhantes implementadas na Coreia do Sul e na China — que limitaram o tempo de ecrã ou o acesso à Internet para jovens —, os dados disponíveis apontam para resultados nulos ou contraproducentes, sem melhorias consistentes no bem-estar, no sono ou no desempenho escolar.


É também importante notar que a tentativa de impedir o acesso de jovens às redes sociais pode ter consequências colaterais indesejadas, incluindo a exclusão de oportunidades educativas, culturais e sociais.

Na prática, tal abordagem pode ainda isentar as plataformas digitais da sua responsabilidade. Se um adolescente contornar a proibição (por exemplo, utilizando uma VPN), as empresas poderão alegar que fizeram tudo o que estava ao seu alcance, desresponsabilizando-se pela segurança ou bem-estar dos utilizadores mais jovens.


A investigação nesta área sugere que o impacto das tecnologias digitais no bem-estar dos jovens é complexo e multifatorial. A mera presença de um dispositivo não implica um dano, tal como a sua ausência não garante proteção.


A investigação sugere que os efeitos das redes sociais e do uso de telemóveis dependem de como são usados, por quem, em que contexto, e com que apoio. Para muitos adolescentes, os dispositivos são ferramentas de apoio social, aprendizagem, criatividade e expressão identitária.


No contexto escolar, por exemplo, embora a interdição do uso de telemóveis possa ter efeitos positivos em termos de atenção, redução de conflitos e aumento da interação presencial, também há perdas significativas referidas pelos próprios alunos: sentimento de desconfiança por parte dos adultos, perda de autonomia, exclusão de ferramentas úteis para a aprendizagem e dificuldades acrescidas na gestão do mal-estar emocional.


Alguns jovens reportam sentir-se mais sozinhos ou vulneráveis, sobretudo em situações de ansiedade, stress ou necessidade de contacto familiar.


Assim, a investigação aponta no sentido de que as proibições absolutas podem falhar em promover um uso mais saudável da tecnologia e, pior ainda, gerar consequências contrárias às desejadas.

Em vez disso, urge adotar uma abordagem assente nos direitos das crianças e jovens, que reconheça os seus contextos de vida e promova competências de autorregulação, literacia digital e bem-estar emocional. O que implica não apenas legislar, mas investir em investigação independente, formação de professores, apoio psicossocial e design digital ético.


O verdadeiro desafio não é impedir os jovens de aceder à tecnologia, mas antes assegurar que este acesso é mediado de forma segura, informada e educativa.


É neste ponto que a ciência e a escuta ativa dos próprios adolescentes devem ocupar um lugar central no debate público e político.


Sem esta base, arriscamo-nos a recorrer a soluções simbólicas e ineficazes — uma espécie de “teatro do bem-estar” — que, tal como tirar os sapatos no aeroporto, nos fazem sentir seguros, mas pouco fazem para enfrentar os verdadeiros riscos.

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