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Influenciadores de Masculinidade Online – Porque Atraem Tantos Rapazes?

Atualizado: 30 de mar.



Nos últimos anos, assistimos a uma crescente preocupação com a influência de certos influenciadores digitais sobre adolescentes do sexo masculino.


Figuras como Andrew Tate, entre outras da chamada "manosfera" tornaram-se modelos aspiracionais, apresentando-se como defensores dos “direitos dos homens” num mundo supostamente dominado pela “feminização da sociedade”. Estes têm ganho uma visibilidade significativa junto de rapazes que procuram orientação sobre o que significa ser homem, como lidar com as suas emoções, ou como alcançar respeito e sucesso.


O fenómeno é inquietante não só pelo conteúdo frequentemente misógino, racista e homofóbico promovido por estas figuras, mas também pela adesão significativa de adolescentes e jovens a estas mensagens.


Esses discursos circulam em comunidades como da manosfera, onde a identidade masculina é construída em oposição ao “outro”: as mulheres, os LGBTQIA+, os rapazes considerados frágeis ou “normies”. Palavras como alpha male, beta male, simp ou AWALT tornam-se parte do vocabulário quotidiano de muitos jovens, reforçando estereótipos nocivos sobre género, poder e relacionamentos. Outros, como os incels, expressam frustração e ressentimento por não conseguirem estabelecer relações íntimas, o que, em alguns espaços online, evolui para ódio e apologia da violência.


Mas por que motivo tantos rapazes são atraídos por estes influenciadores?

A resposta, longe de ser simples, está profundamente enraizada em múltiplas dimensões da experiência juvenil contemporânea.

Vários estudos demonstram que muitos rapazes se sentem desorientados, desconectados e emocionalmente isolados num mundo que lhes exige ser fortes, bem-sucedidos e resilientes, mas que lhes oferece poucas ferramentas saudáveis para lidar com emoções como a frustração, o medo ou a vulnerabilidade.


A saúde mental masculina continua a ser atravessada por estigmas: ainda hoje, muitos rapazes são ensinados que "não se chora", que "homens resolvem sozinhos" ou que "mostrar fragilidade é sinal de fraqueza".


Estes influenciadores surgem precisamente nesse vazio — oferecendo promessas de autoafirmação, poder, estatuto e pertença. Através de conteúdos altamente emocionais e envolventes, apelam a rapazes que se sentem perdidos, desvalorizados ou revoltados.


Em muitos casos, exploram vulnerabilidades reais com mensagens aparentemente empoderadoras, mas que se sustentam em ideologias tóxicas e simplistas: culpabilizar mulheres, imigrantes ou pessoas LGBTQIA+ pelos problemas dos homens.


O impacto desta retórica é visível nas escolas, onde professoras relatam um aumento de comportamentos desrespeitosos e de atitudes discriminatórias por parte de alguns alunos.


Estes comportamentos não surgem do nada — são fruto de uma exposição regular a discursos de ódio e de um contexto social que teve dificuldades em oferecer alternativas saudáveis de masculinidade.


Importa também lembrar que muitos destes adolescentes não procuram ativamente estes conteúdos. Os algoritmos das redes sociais empurram-nos para vídeos e mensagens cada vez mais extremistas, muitas vezes a partir de interesses inofensivos, como fitness, autoajuda ou empreendedorismo. Esta progressão gradual — conhecida como “efeito de gateway” — torna o fenómeno ainda mais preocupante.


Contudo, nem tudo é negativo. Há também muitos jovens que demonstram pensamento crítico, que questionam os conteúdos a que assistem e que rejeitam mensagens de ódio.


O que eles precisam, muitas vezes, é de adultos que os escutem sem julgamento, que os ajudem a navegar este mundo complexo e a desconstruir estas narrativas com empatia, conhecimento e confiança.


Como psicólogos, educadores ou cuidadores, temos uma responsabilidade clara: promover programas de literacia digital e emocional, construir modelos positivos de masculinidade e criar espaços seguros para conversar.


Não basta "proibir o acesso" às redes sociais.

Precisamos de investir na escuta ativa, no pensamento crítico, no cuidado emocional e numa cultura que não abandone os rapazes à solidão ou à raiva.


A promoção de masculinidades saudáveis não é um luxo nem uma utopia — é uma necessidade urgente se quisermos construir sociedades mais justas, equitativas e emocionalmente sustentáveis.


Falar sobre conteúdos tóxicos online com crianças e adolescentes

Crianças e adolescentes estão cada vez mais expostos a conteúdos prejudiciais nas redes sociais, frequentemente promovidos por algoritmos que os direcionam de forma persistente e personalizada.


Psicólogos especializados no trabalho com jovens alertam para os riscos acrescidos em situações de baixa autoestima, solidão ou isolamento, condições que podem tornar estes jovens mais suscetíveis à influência de discursos tóxicos promovidos por figuras públicas ou influenciadores digitais.


A exposição contínua a este tipo de conteúdos pode gerar a ilusão de pertença a uma comunidade ou reforçar mensagens negativas já presentes na vida de alguns jovens. Há também o risco de os adolescentes aceitarem comportamentos ou valores distorcidos como normais, especialmente quando não existem momentos de reflexão ou confronto com outras perspetivas.


No ambiente digital, muitos jovens sentem-se desinibidos, expressando opiniões ou comentários que não fariam numa interação presencial. A ausência de mediação social, de limites claros e de responsabilização contribui para um cenário onde os discursos extremados e a linguagem agressiva se tornam comuns.


Para alguns adolescentes, adaptar-se às normas e à realidade distorcida que encontram online torna-se uma forma de tentar integrar-se num grupo ou ganhar reconhecimento entre os pares.


É fundamental que as escolas, famílias e profissionais contribuam para o desenvolvimento de uma consciência crítica face aos conteúdos consumidos digitalmente. É essencial criar espaços seguros onde os jovens possam discutir, refletir e debater as mensagens que encontram online, desenvolvendo competências que lhes permitam distinguir informação fiável de manipulação emocional ou ideológica.


Como podem pais, professores e cuidadores apoiar os jovens?

  • Estar atentos ao impacto emocional de conteúdos que promovem o desprezo, a humilhação ou a desvalorização de outras pessoas.


  • Estimular debates sobre o impacto de ridicularizar, sexualizar ou diminuir os outros e valorizar a empatia e a vulnerabilidade como sinais de maturidade emocional.


  • Encorajar os jovens a expressarem as suas opiniões, mesmo que estas contrariem a maioria, e discutir formas de resistir à pressão do grupo.


  • Desenvolver programas educativos específicos para os jovens mais vulneráveis à influência de discursos tóxicos online.


Como podem os jovens proteger-se online?


  • Observar como o conteúdo sugerido afeta o seu bem-estar emocional e reconhecer quando algo está a causar desconforto ou ansiedade.


  • Adotar uma postura mais consciente e crítica na navegação online, privilegiando conteúdos positivos, construtivos e menos sensacionalistas.


  • Praticar estratégias de autocuidado: fazer pausas, falar com alguém de confiança, procurar intencionalmente conteúdos positivos para influenciar os algoritmos de forma benéfica.


A educação para o uso saudável e seguro da internet é uma responsabilidade partilhada entre famílias, escolas e profissionais.


Fomentar o pensamento crítico, a autorreflexão e o apoio emocional é essencial para proteger crianças e adolescentes dos riscos associados à radicalização digital e aos discursos tóxicos que circulam nas redes sociais.



Alguns termos e conceitos:

Incels: Termo para “celibatários involuntários” – homens que afirmam não conseguir encontrar parceiras românticas ou sexuais, apesar de o desejarem. Muitas comunidades online de incels partilham conteúdos misóginos e violentos.


Manosfera: Rede de comunidades online centradas em temas sobre masculinidade e “direitos dos homens”. Muitas promovem ideologias anti-feministas, misóginas e transfóbicas, através de fóruns, blogs, vídeos e memes. Masculinidade: Conjunto de normas sociais e comportamentais associadas ao que significa “ser homem”. As masculinidades variam entre culturas e épocas, e podem incluir traços positivos (ex.: coragem) ou problemáticos (ex.: dominação).


Meme: Conteúdo humorístico e viral na internet, geralmente combinando imagem e texto. Pode transmitir mensagens sociais, culturais ou ideológicas.


Misoginia: Ódio, desprezo ou preconceito irracional contra mulheres e raparigas. Manifesta-se em comentários ofensivos, violência, exclusão ou inferiorização.


Misandria: Ódio ou desprezo injustificado contra homens. Embora exista como conceito, é menos comum como fenómeno sistémico quando comparado com a misoginia.


Influenciador/a digital (Online Influencer): Pessoa que, através de redes sociais como YouTube, TikTok ou Instagram, reúne uma grande audiência e exerce influência sobre opiniões, comportamentos ou hábitos dos seus seguidores.


Algoritmos de redes sociais: Conjuntos de regras automáticas usados pelas plataformas digitais para determinar que conteúdos aparecem nos feeds dos utilizadores. Baseiam-se nos interesses, interações anteriores e popularidade dos conteúdos.


Sexismo: Tratamento injusto com base no sexo ou género de alguém. Pode assumir a forma de estereótipos, exclusão, discriminação ou inferiorização de um género em relação ao outro.


Cancelado (Cancelado/a): Termo usado para descrever alguém (normalmente uma figura pública, celebridade ou influenciador) que foi alvo de forte crítica e desaprovação pública, geralmente por declarações consideradas ofensivas. Quando alguém é "cancelado", pode ser banido de plataformas ou boicotado pelos seguidores.


Género: Refere-se às normas sociais, papéis e comportamentos atribuídos a pessoas com base na sua identidade de género (ex.: mulheres, homens, pessoas não-binárias). O género é aprendido através da socialização e não deve ser confundido com “sexo biológico”, que diz respeito às características físicas. O género é variável entre culturas e muda com o tempo.


Discriminação com base no género: Tratamento desigual ou injusto de alguém por causa do seu género real ou percebido. Inclui assédio ou exclusão com base na identidade ou expressão de género.


Normas de género: Comportamentos considerados “apropriados” para cada género, dentro de um determinado contexto social ou cultural. Tornam-se prejudiciais quando limitam as escolhas, oportunidades e bem-estar das pessoas.


Alpha male (macho alfa): Termo usado para descrever e idealizar um homem dominante, especialmente em contextos sociais e sexuais. Tornar-se um "macho alfa" é visto como um objetivo aspiracional por muitos seguidores destes conteúdos.


AWALT: Acrónimo de “All women are like that” ("todas as mulheres são assim"), usado de forma depreciativa para descrever mulheres como vaidosas, promíscuas, irracionais ou motivadas por interesse financeiro.


Beta male: Usado de forma pejorativa para insultar homens considerados fracos, passivos ou ineficazes em termos sexuais e sociais.


Normie: Termo usado para descrever alguém que não pertence às subculturas do incel ou da manosfera, visto como “normal” e, implicitamente, inferior.


Simp: Termo depreciativo usado para criticar homens que demonstram respeito ou carinho por mulheres, retratando-os como submissos ou fracos.


Sigma male: Variante do macho alfa, visto como um "lobo solitário", independente das normas sociais.


The Red Pill (TRP): Movimento dentro da manosfera, inspirado pelo filme The Matrix, que acredita que a sociedade é injusta para os homens, especialmente os brancos e heterossexuais, e favorece injustamente as mulheres.


Este vocabulário contribui para a normalização de crenças discriminatórias, ódio e violência contra grupos sociais específicos — particularmente raparigas, mulheres, homens homossexuais, pessoas trans e não-binárias. Importa frisar que estas ideologias e comportamentos fazem parte de um “ecossistema” mais amplo, presente tanto online como offline, que perpetua desigualdades de género e relações de poder históricas.


A discussão sobre influenciadores de masculinidade online deve, portanto, ser vista como representativa de dinâmicas sociais mais profundas, que mudam e evoluem ao longo do tempo.



 
 
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